Postagens

Postagem em destaque

À TONA D'ÁGUA - Conto - Raul Pompeia

Imagem
À TONA D'ÁGUA (Microscópica) Raul Pompeia (1863 – 1895) I Há crepúsculos que parecem desmaios. Olha-se para cima e vê-se o firmamento pálido; o ocidente apresenta a expressão vaga do olhar da criança que se faz mulher e que sofre a transição. Parece que uma nota de espanto percorre a natureza… Segue-se depois a noite, a escuridão, o desfalecimento da luz. A alma compreende que a noite é uma ausência. Vai além: apalpa esta ausência. É deleitoso. Tem-se os olhos abertos e sonha-se. Os espetáculos são panoramas de fumaça; e sempre nessa confusão de escuros e meias sombras, destaca-se um ponto. Quem vê este ponto é o coração. Perguntem-no aos amantes. Rosália estava vendo um crepúsculo assim; e esperava ansiosa pela noite… à praia. II Resvala a canoa, macio como a nuvem à flor do céu… Rosália já está com ele. Só quem os vê é a noite. O remeiro canta distraído uma barcarola por trás do estofo que os encobre. E vão… III Trocam olhares que os prendem como elos de doces...

O INSTINTO DE SAMUEL - Anedota - Gringo

Imagem
O INSTINTO DE SAMUEL Gringo (Séc. XX) Levi, depois que se casou com Rebeca, estabeleceu-se em Marselha com uma pequena loja de produtos de higiene e de toucador. Levi vendia sua mercadoria e Rebeca ficava no caixa, recebendo as importâncias e dando os trocos. Ao mesmo tempo segurava ao colo o pequeno Samuel, nascido há poucos meses, e que parecia já se interessar muito com o modo de agir dos clientes. De vez em quando, Samuel lançava gritos terríveis, verdadeiros urros de raiva. — Não sei que tem este menino — disse o pai. — Ele não está doente, mas grita todas as vezes que um freguês se retira. Rebeca, que observara a atitude do filho, respondeu calmamente ao esposo: —  Ele não tem nada… Apenas grita quando me vê entregar o troco ao freguês. Fonte: “Vamos Ler”/ RJ, edição de 18 de julho de 1940. I lustração: Elizabeth Nourse (1859 - 1938)  

O CAVALO JOHNNY - Excerto Humorístico - James Joyce

Imagem
O CAVALO JOHNNY James Joyce 1882-1941 Tradução de Paulo Soriano — O velho cavalheiro tinha um cavalo chamado Johnny. E Johnny trabalhava no moinho do velho senhor , andando em círculos para moviment á-lo. Até então, tudo muito bem; mas, agora, vem a parte trágica de Johnny. Um belo dia, o velho cavalheiro achou que seria de bom alvitre desfilar elegantemente, com o seu cavalo, no parque, n uma parada milita r . — Que o Senhor tenha piedade de sua alma — disse tia Kate, com compaixão. — Amém — disse Gabriel. — Então o velho cavalheiro, como disse, arreou Johnny e colocou a sua melhor cartola e seu melhor colarinho. Saiu em grande estilo da mansão de seus ancestrais, situada em algum lugar perto de Back Lane, eu acho. Todos riram, até a senhora Malins, do jeito de Gabriel. Tia Kate disse: — Ah, Gabriel, ele não morava em Back Lane, na verdade. Só o moinho ficava lá. — Saiu da mansão de seus ancestrais — continuou Gabriel — montado em Johnny. E tudo correu lindamente até Jo...

UMA RAPARIGA APRESSADA - Crônica - Catulle Mendes

Imagem
UMA RAPARIGA APRESSADA Catulle Mendes (1841 – 1909) Tradução de Humberto de Campos (1886 – 1934) A honesta avozinha começou primeiro por dar um par de bofetadas na pequena desavergonhada, e, depois, enquanto a rapariga chorava a bom chorar, vermelha como uma papoula, fez-lhe este discurso: — É, pois, verdade, teres um amante? E confessas, ousas confessar? Um amante! E só com dezesseis anos! Com os olhos baixos, o arzinho modesto, parece que não quebras um prato, e chegaste já a esse ponto no deboche e no cinismo! Quem te visse julgaria só em bonecas ou num bebê japonês e, afinal, a boneca que a menina tinha na cabeça é um homem! Que vergonha! É para uma pessoa fugir, meter-se pelo chão abaixo! Como? Foi essa a educação que recebeste? Não tendo na família senão bons e virtuosos exemplos, como pudeste cometer uma falta tão grande? É preciso, palavra de honra, que tivesses o diabo no corpo! Mas o que mais exasperava a avó era ter a Luisinha conseguido enganá-la, apesar da v...

VIVO E MORTO - Crônica - Autor anônimo do início do séc. XX

Imagem
VIVO E MORTO Autor anônimo do início do séc. XX Em 1870, Lucien Grattery era soldado do 4º regimento de zuavos, em França. No combate de Bry-sur-Marne, lançou-se sobre os prussianos com um tal furor que recebeu um tiro em pleno peito; o projétil varou-o de um lado a outro, fazendo enormes estra g os nos principais órgãos, atravessando-lhe o pulmão esquerdo. Ma s há homens de sorte. Lucien Gratterv, transportado para o hospital de sangue, não morreu; o pulmão cicatrizou, e restabelecido, Gratterv teve baixa, retirando-se para o lar de sua família. Começou então a pensar numa condecoração. Em França, como em toda a parte, quando se tem direito e se quer uma medalha, é preciso um mundo de papéis. Lucien Grattery necessitou de cópia da sua fé de ofício. Para a obter, escreveu ao ministro da guerra, o qual não respondeu porque tinha mais que fazer. Felizmente, os ministros passam. Assim sucedeu com Crattery; depois do combate de Bry-sur-Marne, até hoje, houve em França cinquenta ...

O PROPICIADOR DO BEM - Conto Alegórico - Oscar Wilde

Imagem
O PROPICIADOR DO BEM Oscar Wilde Tradução de Paulo Soriano (Tradução de autor desconhecido do início do séc. XX) Era de noite e Ele estava só. Divisou, ao longe, os muros de uma cidade circular e caminhou para a cidade. Aproximando-se, ouviu, na cidade, grande algazarra de alegria e risos de prazer, juntos com o som estridente de numerosos alaúdes. E bateu à porta e abriram-lhe. Viu uma casa, que era de mármore, com belas colunas de mármore na fachada. As colunas estavam cobertas de grinaldas e, tanto dentro como fora, ardiam troncos de cedro. E Ele entrou na casa de mármore. Quando, depois de atravessar a sala de calcedônia e a sala de jaspe, chegou à grande sala dos festins, viu, estendido sobre um leito de púrpura, alguém cuja cabeleira estava coroada de rosas vermelhas e cujos lábios estavam vermelhos de vinho. Passou por detrás dele, tocou-lhe no ombro e disse-lhe: — Por que levas essa vida? O rapaz voltou-se, reconheceu-o, e respondeu, dizendo: — Então… Noutro te...

A ÓRFÃ DAS PRISÕES - Narrativa Verídica - Autor anônimo do séc. XIX

Imagem
  A ÓRFÃ DAS PRISÕES Autor anônimo do séc. XIX No tempo do terror, habitava em Paris a princesa Fanny Lubomirska 1 , tão ilustre pelo seu nascimento como pela sua beleza; entregue unicamente ao cuidado de educar Rosália 2 , sua filha única, então de cinco anos de idade, ela se julgava protegida pelas leis sagradas do direito das gentes; mas, denunciada ao comitê revolucionário como conspiradora contra a republica, foi apresentada perante o tribunal; dentro de poucos dias foi condenada à morte. Rosalia (Fanny) Lubomirska (mãe) Quando estava na prisão, tinha consigo sua filha. No dia que esta desgraçada mãe foi levada ao cadafalso, recomendou Rosália às suas companheiras de infortúnio; mas estas, tendo sofrido a mesma sorte, deixaram Rosália a outras, e assim, transmitida de vítima em vítima, foi adotada pela lavadeira da cadeia. Esta mulher, compadecida pelo desamparo da pobre criança, ajuntou este sexto filho aos cinco de que era mãe, e veio a ser a providência da órfã das...