À TONA D'ÁGUA - Conto - Raul Pompeia

À TONA D'ÁGUA (Microscópica) Raul Pompeia (1863 – 1895) I Há crepúsculos que parecem desmaios. Olha-se para cima e vê-se o firmamento pálido; o ocidente apresenta a expressão vaga do olhar da criança que se faz mulher e que sofre a transição. Parece que uma nota de espanto percorre a natureza… Segue-se depois a noite, a escuridão, o desfalecimento da luz. A alma compreende que a noite é uma ausência. Vai além: apalpa esta ausência. É deleitoso. Tem-se os olhos abertos e sonha-se. Os espetáculos são panoramas de fumaça; e sempre nessa confusão de escuros e meias sombras, destaca-se um ponto. Quem vê este ponto é o coração. Perguntem-no aos amantes. Rosália estava vendo um crepúsculo assim; e esperava ansiosa pela noite… à praia. II Resvala a canoa, macio como a nuvem à flor do céu… Rosália já está com ele. Só quem os vê é a noite. O remeiro canta distraído uma barcarola por trás do estofo que os encobre. E vão… III Trocam olhares que os prendem como elos de doces...